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Com a velocidade dos acontecimentos políticos das ultimas semanas, este post começou e foi abandonado algumas vezes. Mas como algumas coisas não caducam, ao contrário, estão apenas começando, descreverei algumas ideias provocadas pelas repercussões relacionadas ao vazamento das gravações telefônicas das investigações da Lava Jato; e do uso recorrente das medidas da prisão preventiva.

Vou analisar um pequeno recorte sobre o ambiente sociocultural e político emergente, que guarda uma discreta relação com os modos de existência que estamos constituindo em nosso uso cotidiano das redes sociais digitais. O percurso segue um argumento foucaultiano: há uma profunda relação entre os modos de subjetivação atuais, os regimes de produção da verdade e as formas de exercício do poder. Vou apontar rapidamente esta relação sob três aspectos: (1) relação entre interioridade e exterioridade (nossa vida interior e pública); (2) informação digital, rastreabilidade e produção da verdade; (3) simulação como regime de antecipação

Tais conexões podem ajudar a compreender, de uma perspectiva complementar e pouco explorada nas reflexões sobre nossa cultura política, porque o vazamento ilegal dos grampos telefônicos e o uso corriqueiro de uma medida de exceção como a prisão preventiva, não causaram grave espanto na sociedade brasileira. Argumentarei que, no que diz respeito aos modos de vida e estilos de pensamento que estamos constituindo em nossas vidas tecnicamente mediadas, essas práticas da polícia e do judiciário, estão amplamente disseminadas e enraizadas em nosso cotidiano através de nossas próprias ações no mundo digital.

1. Interioridade e Exterioridade

Cada vez mais as pessoas experienciam nas redes sociais um regime de visibilidade em que a “mostração” de si torna-se um imperativo social. O registro e a disponibilização voluntária de informações pessoais sobre diversos aspectos da nossa existência tem efeitos importantes. Há uma gradual erosão (e uma reconfiguração) das fronteiras entre o público, o privado e o íntimo; e instala-se uma princípio de transparência que pretende fazer coincidir a expressão visível do “eu” nas redes sociais com uma ideia de “verdade” ou “autenticidade” daquela pessoa. O aprofundamento dessa dinâmica implica, em última instância, numa ficção identitária fundada no colapso de qualquer diferença entre a interioridade (pensamentos, sentimentos etc) e nossa exterioridade. Isso dá lugar à exigência impossível de um “eu” único, coerente, transparente, verdadeiro e funcional.

O desejo dessa fusão seria o fim de qualquer possibilidade de autonomia subjetiva e de liberdade política. De certa maneira, observamos essa dinâmica operando tanto nos argumentos e práticas do judiciário (e MP) – na condução, por exemplo, dos grampos telefônicos da Lava Jato – quanto nos modos de existência cibermediada e na validação ou reconhecimento dessa prática do judiciário. Equiparar falas privadas, pensamentos ou emoções compartilhados com pessoas próximas à ação concreta no mundo é um absurdo. Do ponto de vista da teoria do direito, as implicações dessa erosão são tão ou mais complexas, uma vez que as distinções entre interioridade (pensamento, intenção etc) e ação no mundo (exterioridade) são um importante elemento organizador do direito.

Essa é a política imanente da ficção da transparência radical, inscrita como prática cotidiana em nossa cultura de uso de redes sociais como o Facebook. Um princípio de identidade, autenticidade e absoluta coincidência entre nossos rastros digitais, a produção visível do “eu” e nossa interioridade.

 

2. Informação digital, rastreabilidade e produção da verdade

A crescente mediação das tecnologias digitais, somada à proliferação do dispositivos de registro e monitoramento, faz com que o volume de dados, imagens e sons disponíveis sobre qualquer pessoa seja muito grande, dando forma a uma paisagem informacional que produz nossos vários “eus”, nossos corpos informáticos, nossas vidas digitais. Com este volume de informações é possível reunir fragmentos sobre qualquer ato, qualquer pessoa e produzir o fato que quisermos. “Diga-me uma tese qualquer e comprovarei-a com dados” é uma máxima do mundo do big data. A capacidade de análise computacional ampliou o antigo “diga-me com quem andas e direi quem tu és”; agora é possível indicar, probabilisticamente, o que podes pensar, o que podes desejar, ou o que podes potencialmente fazer. A confecção do nosso “perfil”, realizada por nós mesmo em nosso uso cotidiano das máquinas digitais, resulta num amálgama de atitudes potenciais. Um perfil – já não falamos em uma “identidade” na rede – é o conjunto dessas disposições (atitudes e decisões comportamentais possíveis).

O mito da transparência radical, descrita no ponto acima, quer fazer coincidir o ser individual (dotado de um corpo físico) com uma expressão única e coerente de um perfil digital. Mas no universo das redes digitais, também somos educados a aprender que um conjunto de dados organizados de maneira aparentemente coerente, são suficientes para produzir uma realidade.
Todas as informações que lemos em nossa existência cotidiana nas redes sociais são pré-selecionadas em função no nosso perfil digital graças ao trabalho dos algoritmos. A produção do nosso perfil no mundo digital é completamente alheia ao contexto semântico ou social de origem das mensagens. Em outras palavras, o sentido (hermeneutico) da ação pouco importa para a máquina. O que está em jogo é nossa existência dividual: através do mapeamento de nossas expressões pré-individuais (a-semânticas) somos enquadrados em categorias supra-individuais. Da mesma forma, as informações digitais pré-selecionadas que compõem nosso universo de leitura, irão constituir uma realidade sempre fabricada e parcial para cada um de nós.

Na medida em que o funcionamento dos algoritmos nas redes sociais está orientando à formação de clusters (ou guetos) de comportamento social, produzidos de forma a amplificar a homogeneidade, pois isso é fundamental para o marketing dirigido, somos discretamente educados a tomar um conjunto pré-selecionado de informações como melhor expressão da realidade.
Aqui também, aprendemos a escutar os audios vazados, a ler trechos de documentos e a organiza-los de maneira coerente. Notícias de anos anteriores são alinhadas numa cronologia perfeita para explicar os fatos do presente. Numa dimensão a coordenação e a seleção desses materiais é realizada por agentes humanos e organizações: o aparato do judiciário, policial e midiático. Mas nas redes sociais este efeito é amplificado pela mediação das plataformas, onde nos habituamos a fazer exatamente a mesma coisa. Aprendemos a produzir nosso próprio real e a legitimá-lo com os “likes” de nossos iguais. Em suma, já estamos educados na manufatura e na legimitação dos novos regimes de produção do real e verdadeiro.

Esta é a outra parte da política imanente das redes sociais corporativas: dados informáticos descontextualizados devem ser traduzidos em expressão do real e verdadeiro. Navegamos, ou melhor, somos conduzidos num mar informacional, guiados por impulsos, fagulhas digitais, que nem somos capazes de interpretar (o sentido já não importa). Alias, a metáfora da navegação, antes tão popular no início da internet, atualiza outro sentido esquecido: a cibernética. De origem grega, kubernetes pode ser traduzida por piloto, governo, controle. Nas palavras do matemático Wiener: “a ciência da comunicação e do controle em máquinas e animais”.

 

3. Simulação do real e ação preventiva

Por fim, o terceiro elemento nos indica que o conflito atual já está acontecendo noutro lugar. É uma guerra de velocidades, de antecipações. O poder simulacional é a capacidade de produzir cenários futuros, a partir da análise e coordenação de fenômenos potencialmente emergentes, e que tenham o poder de gerar efeitos de realidade no presente. As decisões sobre os juros bancários tomadas com base nas expectativas futuras do “humor” do mercado financeiro é um bom e antigo exemplo.

Nas redes sociais corporativas também aprendemos a gerir nosso perfil no presente em função do que projetamos para o futuro. Tornamo-nos gerentes das impressões que esperamos provocar em nosso futuro empregador ou naquela pessoa que desejamos amorosamente conquistar. Além de fundirmos a vida íntima com a vida pública na gestão de nossos perfis (conforme o ponto 1), aprendemos a fazer isso segundo um modelo de eficiência orientado à maximizar nossas disposições potenciais.

Somos contratados por aquilo que potencialmente podemos oferecer, nos apaixonamos pela dimensão virtual daquele perfil etc. A slogan “Você S/A” é um ótimo exemplo. Este modo de racionalização econômica da vida, tão bem descrito por Foucault, adquire agora outra dimensão quando se combina à interação humano-máquina. Vivemos a governamentalidade algorítmica (cf. A.Rouvroy), e com ela também aprendemos em nossa prática cotidiana tecnicamente mediada, a reconhecer os potenciais de um perfil (de um indivíduo) ou de uma situação.

Esta é a terceira parte da política imanente das redes digitais corporativas. Conferimos a uma simulação, entendida aqui como uma configuração específica de uma situação potencial, portanto múltipla e não resolvida, o estatuto de uma situação real. Tal cultura, somada ao frágil reconhecimento de nossos direitos, reforça ainda mais a ideia de que é legitimo prender alguém preventivamente.
É com essa mesma justificativa que é possível realizar a guerra preventiva contra nações inimigas, contra os terroristas em potencial, ou mesmo aprisionar políticos adversários. Por razões complementares a este argumento, é importante lembrar que cerca de 40% da população carcerária brasileira (a 4° maior do mundo) está presa sem ter sido ainda julgada. Para os pobres a prisão preventiva do estado de exceção já é a regra faz tempo.

Finalmente, o que passa desapercebido na articulação entre os pontos 1, 2 e 3 são os efeitos negativos de suas articulações: reconfiguração das fronteiras entre interioridade e exterioridade; o registro infinitessimal dos rastros digitais de nossas vidas; emergência de um regime simulacional equiparado à realidade. Tudo isso, num contexto de expansão de políticas securitárias e medidas de exceção que ameaçam os direitos civis, encontram solo fértil para converter todos os cidadãos (usuários da internet, mas não apenas) em criminosos em potencial.

Diante do colapso entre interioridade e exterioridade, qualquer pensamento privado codificado no histórico permanente de nossas interações digitais, pode ser simulado como indicador da intencionalidade, evidência probabilística de uma ação futura. Neste cenário, a pressuposição de inocência, princípio constitucional fundamental, torna-se lógica e tecnicamente impossível. Todos são suspeitos por antecipação. A condenação, neste caso, é apenas o resultado arbitrário da aplicação seletiva da punição, definida em função da distribuição das forças políticas num dado momento histórico.

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Hoje, é importante mas não suficiente a luta pela superação do modelo de democracia representativa em vigor, das relações personalistas e espetaculares na política, do poder das corporações e do capital financeiro, das máquinas partidárias e midiáticas, para ir além do conflito dicotômico “não vai ter golpe” X “impeachment”. Ao mesmo tempo, é igualmente necessário superar as práticas de democracia participativa que, a despeito do convite à abertura e à inclusão cidadã, já definem de antemão os lugares e funções a serem desempenhadas.

Analogamente ao capitalismo contemporâneo, tal modelo de participação sabe muito bem conjugar os modos de sujeição social e de servidão maquínica. Na sujeição social somos sempre inscritos sob uma identidade, um “eu” a partir do qual um categoria política de pertencimento define a medida e a função que podemos estabelecer com os objetos (o limite de um direito, o valor do trabalho, o peso de nossos votos etc). Na servidão maquínica, de maneira complementar, participamos do processo como peças numa máquina em que a própria distinção sujeito-objeto, produtor-consumidor, já não faz mas sentido. Nesta segunda dimensão, nossas ações, nossos afetos, cognição, conhecimento, relações…são postas a trabalhar para a mesma máquina de produção de valor (seja de capital, seja de legitimação política), sem que sejamos propriamente “singulares”. É algo de nosso ser pré-individual e supra-individual que participa da servidão maquínica para, uma vez engajado e produtivo, ser novamente capturado (agora como indivíduo) pela sujeição social.

Talvez o mais difícil seja justamente superar esta nova forma de poder e condução da vida.

Produzir uma nova subjetivação política exige que sejamos capazes de reconhecer e reconfigurar este agenciamento maquínico. Se, desde o início, as ações foram inscritas na articulação dessa dupla dinâmica (sujeição social e servidão maquínica), muito dificilmente ela será capaz de transbordar. Os novos sujeitos políticos não surgem ali onde o espaço e as funções estão programadas. É por isso que nos ultimos tempos sempre fomos surpreendidos pela força política que brotava de onde ninguém esperava.

“Desejar significa agir longe do equilíbrio” (Lazaratto). Felizmente, não somos capazes de programar onde ele irá emergir. O melhor que se pode fazer (nesta parcial perspectiva de ação) é, talvez, multiplicar as situações onde ele seja mais possível, de forma que as potências liberadas da servidão maquínica não sejam recodificadas e reterritorializadas pela sujeição social e possam, noutra direção, ensejar individuações mais emancipatórias.

Estruturas verticais, vanguardas ou celebridades não vão convocar a multidão. No melhor das hipóteses, só as massas responderão. Claro, no contexto atual, as massas estão sendo convocadas para barrar o golpe político em curso, e isso parece ser uma parte importante do processo. Todavia, acreditar que o jogo possa se resumir a esta forma de conflito, pode significar a perda de uma oportunidade histórica de invenção democrática.

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Na próxima terça-feira (12/4) pode ser votado o relatório da CPI sobre Cibercrimes. Diversas organizações sociais e pesquisadores (do Brasil e do exterior), já manifestaram sua preocupação com as propostas presentes neste relatório e o impacto negativo que ele terá sobre a Internet e, consequentemente, diversos aspectos da nossa vida social offline.

Participei ontem de uma entrevista no programa Brasilianas com o jornalista Luis Nassif e outras pesquisadores do tema: Marília Maciel do CTS-FGV e Ana Claudia Silva Mielke do Intervozes. O programa deve ir ao ar na próxima segunda-feira (11/4).

Durante a semana, além da leitura do relatório da CPI-Cibercrime e dos diversos materiais compilados sobre o tema (selecionados abaixo), com especial destaque para o documento crítico elaborado pela Coding Rights e IBIDEM, tive também que reler um texto do M.Foucault (Em defesa da sociedade) e outro do G.Deleuze (Sociedade de Controle) em razão de um curso que estou participando.

Foi uma combinação de leituras explosiva. Meus amigos, não se iludam. A Internet tal qual a conhecemos na segunda metade dos anos 90 está profundamente corrompida. Se não tomarmos medidas coletivas para fortalecer a liberdade na rede, a privacidade e o direito à navegação anônima (da mesma forma como caminhamos com nossos pensamentos silenciosos pela rua), se não controlarmos a expansão infinita da coleta, tratamento e comercialização de nossos dados pessoais (por empresas e governos), a sociedade policial estará plenamente implantada entre nós. Pior, com todos os cidadãos convertidos em suspeitos permanentes, criminosos em potencial, e ao mesmo tempo policiais de nós mesmos e de todos à nossa volta.

Por fim, só restam 6 dias para contribuir para a vaquinha digital da Cryptorave, iniciativa fundamental para a disseminação da cultura, práticas e tecnologias que promovem a liberdade de expressão, a privacidade e o modelo de segurança informática que queremos. É agora: https://www.catarse.me/cryptorave2016

Seleção de links sobre a CPI-Cibercrimes (contribuições colhidas na lista Antivigilancia e Lavits)

Relatório final da CPICIBER

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1447125&filename=Tramitacao-RCP+10/2015

Nota técnica realizada por Coding Rights e Ibidem, com mais várias organizações signatárias:
https://cpiciber.codingrights.org/sumario-executivo/
https://cpiciber.codingrights.org/CPICIBER_NotaParaParlamentares.pdf

Manifestação do Comitê Gestor da Internet no Brasil: http://www.cgi.br/esclarecimento/nota-de-esclarecimento-em-razao-do-relatorio-da-cpi-crimes-ciberneticos/

Abaixo-assinados:

http://internet-governance.fgv.br/abaixo-assinado-cpi-de-crimes-ciberneticos
https://www.change.org/p/congresso-nacional-congresso-nacional-diga-n%C3%A3o-%C3%A0-censura-da-internet-n%C3%B3s-defendemos-a-liberdade-na-internet

 

Reportagens:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/04/04/cpi-do-congresso-nacional-propoe-censurar-a-internet/
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/04/01/Por-que-a-conclus%C3%A3o-da-CPI-dos-Crimes-Cibern%C3%A9ticos-levanta-o-temor-de-censura
https://antivigilancia.org/pt/2016/03/8-pls-sao-propostos-pelo-relatorio-final-da-cpi-de-crimes-ciberneticos/
http://www.brasilpost.com.br/2016/04/04/censura-cpi-crimes-ciberneticos_n_9610006.htmlhttp://apublica.org/2016/04/truco-cpi-ameaca-direitos-dos-internautas/http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CIENCIA-E-TECNOLOGIA/506618-RELATOR-DA-CPI-DE-CRIMES-CIBERNETICOS-EXCLUI-PONTO-POLEMICO-DO-RELATORIO.html

Atualização:

08/04: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CIENCIA-E-TECNOLOGIA/506618-RELATOR-DA-CPI-DE-CRIMES-CIBERNETICOS-EXCLUI-PONTO-POLEMICO-DO-RELATORIO.html

O relatório novo, com as mudanças que já foram propostas e incorporadas pode ser publicado aqui:
http://www.camara.leg.br/sileg/Prop_listaComissao.asp?codComissao=537731

 

Captura de tela de 2016-01-06 21:52:25

O Projeto Ciência Aberta Ubatuba, integrante da Open and Collaborative Science and Development Network participou em novembro de 2015 do encontro anual do grupo de trabalho brasileiro em Ciência Aberta.

Sobre o eventoCiência Aberta: Novas questões na comunicação e prática científicas

Em 2015, o encontro anual do grupo de trabalho em Ciência Aberta ocorre em parceria com a OpenCon 2015, conferência mundial de uma nova geração de acadêmicos para avançar práticas científicas. Também sediará um seminário internacional organizado pelo Núcleo de Pesquisa e Tecnologia em Produção Científica da ECA-USP. Com atividades acadêmicas de capacitação, informação e reflexão, ao longo dos quatro dias os participantes compartilharão suas práticas abertas e análises dessas dinâmicas de produção.

Dias 25 e 26: laboratórios de capacitação na Universidade de São Paulo e Garoa Hacker Clube

Dias 27 e 28: seminário internacional na Universidade de São Paulo

 

Apresentamos nosso trabalho na sessão dedicada à Ciência Cidadã, junto a outros projetos muito interessantes:

Ciência Aberta Ubatuba e desenvolvimento local – SLIDES-Ciencia-Aberta-USP-2015
Henrique Parra (UNIFESP / OCSDNet)
Blogs e vlogs científicos no Brasil: em que pé estão?
Rafael Bento (Scienceblogs Brasil / NuminaLabs)
Laboratório de ciência cidadã para o uso de drones como tecnologia social
Pablo de Soto (ECO – Ufrj)
A experiência de um evento entre a sabedoria coletiva e o conhecimento científico
Nilton Bahlis dos Santos (Next – Fiocruz)

 

 

O movimento dos estudantes secundaristas em 2015 foi certamente a melhor criação política do ano. Há muito o que refletir e aprender sobre tudo o que aconteceu e continua vibrando.

A existência de centros acadêmicos nas escolas, para além de um importante direito conquistado, é um espaço relevante de aprendizado e exercício democrático. Por isso, chamou minha atenção o fato que alguns dias atrás o jornal O Estado de São Paulo publicou uma matéria intitulada “Governo de SP vai reformular grêmios de escolas estaduais” [1]. A matéria utiliza como referência um levantamento solicitado pelo MPE sobre a existência dos grêmios nas escolas da rede estadual de São Paulo. Em síntese, o estudo mostra que muitas escolas possuem um centro estudantil, porém ele é frequentemente pouco participativo ou efetivo na sua missão representativa da comunidade escolar.

Interessante que a matéria do jornal procura estabelecer uma relação entre as ocupações das escolas e a existência frágil desses gremios estudantis. O argumento segue a seguinte premissa: se houvessem gremios estudantis ativos e bem organizados as reivindicações dos estudantes poderiam ter sido canalizadas pelas vias institucionais, e assim os problemas seriam resolvidos pela administração escolar. Na ausência de espaços de representação institucional o movimento dos estudantes torna-se alvo fácil de grupos políticos extra-estudantis, ou então as reivindicações tornam-se mais conflituosas, levando a resultados inesperados como a ocupação das escolas. Nas palavras da gestora responsável pelos gremios na Secretaria Estadual de Educação: “Uma gestão participativa mais forte cria uma relação muito importante com a comunidade, alunos, professores e família. A escola fica mais calma”.

A reportagem funciona como ótimo recurso reflexivo sobre a natureza  ambígua desses grêmios estudantis.

Em primeiro lugar, como muitos dos nossos espaços de representação institucional, parte dos gremios escolares acabaram convertidos em aparelhos da gestão burocrática (quando dominados pela própria administração escolar) ou em espaços dominados por grupos políticos fortemente identidários (com bandeiras e programas prontos e desconectados da vida estudantil). Os estudantes sabem disso. Por isso, eles criaram novas agremiações que escapam à tutela dos diretores, da SEE, dos partidos e das associações estudantis tradicionais. Em suma, ao contrário do que a matéria parece sugerir, as ocupações das escolas nascem de coletivos e grêmios independentes que não sofrem de um deficit democrático. Nesses casos os estudantes estão, efetivamente, fazendo invenções democráticas exatamente onde a política estava morta porque convertida em ação gestionária.

Em segundo lugar, o que a reportagem parece esquecer é que o problema da reestruturação escolar, da forma como foi proposta, escapa à própria capacidade deliberativa de uma unidade escolar e suas instâncias internas de participação. Trata-se de uma política de Governo (G.Alckmin) muito mais ampla. Ou seja, mesmo que uma escola tivesse ótima qualidade de participação democrática, sua posição com relação à reestruturação enfrentaria a resistência das instâncias administrativas superiores. Os estudantes também sabem disso. Por isso sua luta não poderia se limitar às instâncias locais de representação.

[1] http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,governo-de-sp-vai-reformular-gremios-de-escolas-estaduais,1814033

capa-cartografias-emerrgencia

Alana Moraes, Bruno Tarin e Jean Tible, publicaram o livro “Cartografias
da Emergência: novas lutas no Brasil”, com apoio da FES – Friedrich
Ebert Stiftung.

Cada capítulo apresenta uma iniciativa que tem fomentado novas formas de
atuação política. Participo entrevistando o Silvio Rhatto do coletivo
Saravá, falando sobre tecnopolítica e organização social.

O livro está disponível na íntegra aqui:
http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/12092.pdf

Para além da dicotomia governistas e oposição, desde abaixo, autonomamente e pela esquerda!
O desafio é conseguir escapar aos dilemas e capturas de junho/2013, quando logo após a vitória da revogação do aumento, na luta disparada pelo MPL, forças conservadoras da oposição e do governo, tentaram capturar, domesticar e conduzir a energia política da multidão colocada nas ruas.
Cuidado! É necessário estar atento, manter o foco na pauta do movimento. Fortalecer as redes de bairro que surgiram em torno das ocupações. Quanta vida!
Cada escola ocupada deu lugar a uma nova comunidade que luta pelo comum. A escola como lugar de produção de outras formas de viver junto, quando antes estavam reduzidas a espaço de controle dos corpos e pensamentos.
Ao mesmo tempo é importante seguir criando transversalidades com outros movimentos, grupos, expandir-se tecendo redes com o foco claro. E isso tudo já está acontencendo. Trocas de experiências entre movimentos, conhecimentos e aprendizados no fazer cotidiano que valem mais que muitos diplomas.
Assim como em 2013 o contexto mais amplo inspira cautela, muitas armadilhas. A batalha entre governistas e oposição também vai tomar as ruas novamente, e é possível que as forças pró-impeachment ou de apoio incondicional ao governo Dilma, tentem jogar o movimento secundarista para escolhas dicotômicas (ou vocês estão do nosso lado ou estão contra nós). Mas a potência que vocês alimentam é muito mais rica em sua multiplicidade. Estão criando novas formas políticas, e isso é muito mais importante e urgente hoje.

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O jovens desejam uma outra escola, uma escola que seja um território comum de produção de novos sentidos de vida, de outras formas de experiência, de socialização e de subjetivação.
A escola pública, mais do que estatal, pode ser um bem comum, e para isso ela deve ser de todos (e não UMA escola para todos). Sua ativação como bem comum depende do permanente exercício democrático entre os estudantes, professores, pais, comunidade do entorno, gestores.

A escola pode ser um um espaço de produção de diferenças e singularidades (ao invés da escola que pretende (in)formar o cidadão, o trabalhador ou o futuro universitário).

A necessária abertura ao acontecimento, ao indeterminado, é um importante manancial para a educação. Mergulhar numa experiência, simultaneamente singular e coletiva, com todos os seus riscos, é uma grande aprendizado inventivo. Nesse momento, professores e estudantes aprendem criando.

O currículo pode ser criado de maneiras diversas. Em tempos de currículos cada vez mais predeterminados e lineares, a pletora de conhecimentos disponíveis pode oferecer trajetórias singulares de aprendizado.

A educação, como produção de novos conhecimentos e formas de vida mais autônomas, acontece nas frestas. Quando achamos que controlamos os conteúdos, os processos, as metodologias, descobrimos que o mais importante escapa a tudo isso.

A experiência democrática, diferente daquela prevista pelos espaços e dinâmicas institucionais previstas na lei, só acontece pela ação que instituí, através do dissenso um espaço de atualiza a igualdade das potências da inteligência.

 

Atualmente, há muita discussão sobre os efeitos provocados pelos direitos de propriedade intelectual (DPI) sobre os ambientes de produção/difusão de conhecimentos (científica e extra-científica) e as dinâmicas de inovação. Se por um lado, os DPI podem ser utilizados como forma de proteção dos conhecimentos (contra a expropriação de outrém) e como mecanismo de incentivo monetário à inovação tecnológica em certos segmentos, por outro lado, discute-se em que medida os DPI acabam impactando de forma negativa sobre a produção/circulação do conhecimento e funcionando como instrumento jurídico de bloqueio à inovação.

Por isso, há muita controvérsia se os efeitos sobre o ecossistema de inovação (que sempre envolve a relação entre vários atores e instituições) é mais positivo ou negativo, sobretudo, em se tratando da pesquisa científica, onde a dimensão pública do conhecimento é constitutiva da própria dinâmica científica (necessidade de verificação entre pares, reprodutibilidade dos experimentos, construção a partir do estoque anterior de conhecimentos etc).

No caso da Universidade, essas questões ganham relevância na medida em que as políticas de inovação tecnológica através da interação universidade-sociedade (com empresas, governos, etc), devem impactar positivamente no ambiente acadêmico, fortalecendo relações mais colaborativas no interior da própria comunidade científica e criando sinergias que ampliem as condições de produção/circulação de conhecimento e de inovação.

Neste sentido, pode-se pensar numa diversidade de formas de propriedade intelectual, modelos de licenciamento e livre acesso à informação, que possam ser combinadas para estimular um ambiente mais inovador para a pesquisa e inovação tecnológica. Exemplo disso, temos observado nas ultimas décadas o florescimento de inúmeras iniciativas de inovação aberta, como aquelas adotadas em grandes empreendimentos científicos e industriais. Em suma, trata-se de identificar os contextos específicos de aplicação dos conhecimentos produzidos na Universidade, afim de verificarmos qual dinâmica de circulação e acesso terá maior impacto (positivo) sobre o ecossistema de produção de conhecimentos e de inovação como um todo.

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O texto a seguir foi escrito para a intervenção realizada no Seminário Informação e Internet, organizado pelo IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia) em Brasília, agosto de 2015. O título da mesa era “Abertura e Controle”, com Sarita Albagli e Sergio Amadeu.

O tema proposto (Abertura e Controle) me permitiu abordar algumas idéias e questões que estão na interface dos projetos que estou conduzindo neste momento: Ciência Aberta e Desenvolvimento Local; Tecnopolítica e Saberes Situados. Este ensaio é também um desdobramento das proposições lançados no post “Privacidade como Bem Comum” e das reflexões provocados, principalmente, pela leitura recente de dois textos: um artigo de Antoinette Rouvroy [1] e um ensaio do Amador Fernández-Savater [2].

Faço esta introdução, apenas indicar que parto de uma perspectiva em que “abertura e controle” são fenômenos interconectados e interdependentes quando falamos em comunicação digital em redes cibernéticas.

Primeiramente, gostaria de apontar quais os sentidos utilizados para esses dois termos neste texto:
*abertura: capacidade de acessar, interpretar, difundir informação (seja para fins de produção de conhecimento ou para garantir a funcionalidade técnica de softwares, hardwares etc.
*controle: capacidade de regular um conjunto de funções, eventos, variáveis com vistas a obtenção de algum resultado desejado (por exemplo, ter o controle da situação, controle do sistema etc). Mas também como uma capacidade de exercício de poder.

No caso da comunicação em meios digitais, abertura e controle podem se combinar e se efetivar através da implementação de protocolos. Segundo Alexander Galloway [3] podemos definir “protocolo” nas seguintes maneiras: padrão que governa a implementação de uma tecnologia específica; ou formas de governo para obtenção de controle num dado sistema. Mais especificamente, o protocolo para os cientistas da computação podem ser entendidos como: regras convencionadas que governam um conjunto de comportamentos possíveis dentro de um sistema heterogêneo; ou ainda técnica para alcançar regulação voluntária dentro de um ambiente contingente.

***

Hoje é senso comum falar que vivemos uma revolução dos dados (UN Data Revolution Group). Com o crescente uso das tecnologias de comunicação digital um novo universo de informações passa a ser produzido, registrado, analisado, sobre cada aspecto de nossas vidas (Quantified Self). Às vezes com nosso consentimento (Termos de Uso), muitas vezes com nossa cumplicidade e adesão voluntária (Facebook), mas na maioria das vezes, sem termos a menor noção do que de fato acorre com nossas informações (Windows).

Este novo manancial informacional é por vezes referido como o “petróleo do século XXI” (sobre o valor dos dados pessoais para o World Economic Forum), fazendo alusão à sua importância para as atividades econômicas e criação de riqueza monetária. Nesta dimensão, quanto mais informação disponível, quando maior o fluxo informacional, melhor para a atividade. Paradoxalmente, tal entendimento caminha lado a lado com a defesa seletiva da expansão do sistema de propriedade intelectual sobre informações consideradas estratégicas para a inovação tecnológica. Nesta perspectiva, o livre fluxo informacional (apoiado no discurso da abertura e transparência) combina-se à expansão de novos “enclousers” informacionais.

O importante aqui é estar no melhor lugar da cadeia produtiva informacional (camada física, aplicativos, harwares etc) de forma a poder modular a membrana que regula os fluxos entre abertura e fechamento estratégico sobre a informação “que conta”. Como podemos observar nos recentes acordos comerciais do Trans Pacífic Partenership [TPP-Wikileaks], ao mesmo tempo que promovem a expansão da propriedade intelectual sobre o conhecimento e à cultura, sob pressão das grandes corporações, as regulamentações que protegem os dados pessoais dos cidadãos Europeus são atacados como inimigos do livre fluxo informacional, impedindo assim o desenvolvimento econômico dessas nações [veja o comentário de E.Morozov].

Mas este novo universo de dados é também encarado como um recurso fundamental para o avanço da ciência em inúmeras áreas do conhecimento. Como afirmou um dos diretores de uma agência de saúde norte-americana, “as informações disponíveis sobre pacientes, tratamentos, condições de saúde, efeitos de drogas etc, organizadas como Big Data terão um efeito sobre a medicina do século XXI maior do que teve a penicilina no século XX”. Não apenas na área médica, este volume infinito de dados inaugura o Big Data em diversas disciplinas.

Mesmos as humanidades que sempre deram preferência à dimensão qualitativa e significativa das informações, e se aproximavam com suspeita tanto das tecnologias como das informações quantitativas, abraçaram as novas possibilidades oferecidas pelas TICs. As chamadas Humanidades Digitais não trabalham exclusivamente com big data, mas fazem uso intensivo das novas informações produzidas através da mediações digitais na vida social.

Do ponto de vista Estatal, seja para o acompanhamento e avaliação de suas ações, para a criação de novas formas de participação cidadã e controle social, mas principalmente para o monitoramento e controle sobre os cidadãos sob uma lógica securitária, as informações digitais produzidas e recolhidas constituem um novo recurso fundamental para o poder gestionário.

Participação, transparência, acesso à informação e controle social são palavras que passaram a compor um vocabulário comum de militantes, cientistas e gestores governamentais. Hoje, até o congresso brasileiro organiza seus Hack Days.

Indiquei rapidamente esses três eixos (econômico, ciência/conhecimento e Estado) apenas para destacar a forma como esta nova produção e disponibilização de dados situa-se sobre uma arena conflituosa de profunda reconfiguração social, onde as fronteiras entre público-privado, trabalho e não-trabalho, abertura e controle ganham novos contornos, e onde o surgimento de novas formas de saberes e conhecimentos vem acompanhadas por novas formas de exercício do poder (cf. Foucault).

Os exemplos são infinitos:
*nota fiscal eletrônica: coleta de dados sobre o consumo do cidadão contribui para combater a evasão fiscal, e ao mesmo tempo produz um conhecimento de alto valor de mercado sobre perfis de consumo. Quais os usos que podem ser feitos dessas informações? Quem são os intermediários e terceiros que tem acesso à ela?
*dados sobre pacientes no sistema publico ou privado de saúde: prontuário eletrônica é importante para ampliar nossos conhecimentos sobre tanto sobre a saúde humana como sobre o sistema de saúde. Mas como essas informações podem ser usadas?
*dados que produzimos em nosso uso cotidiano da Internet, são importantes para conhecermos mais sobre determinados aspectos da vida social, e ao mesmo tempo são o insumo básico da vigilância industrial (estatal e corporativa).

Portanto, indicamos que essa crescente produção e disponibilização de dados (dimensão da abertura) vem  acompanhada de uma forma de controle. Há portanto, a emergência de novas formas de conhecer que se combinam às novas formas de exercício do poder. E elas não são genéricas e abstratas, mas sim, situadas (ou contextualizadas) e empíricas.

É sob esta perspectiva que eu gostaria de avançar. Não faz sentido falarmos da abertura e transparência como valores transcendentais que devam ser aplicados genericamente às informações produzidas (uma vez que existe esta possibilidade). As condições e possibilidades de abertura devem sempre ser analisadas nos contextos específicos de sua produção e circulação, bem como nos efeitos sociais e culturais (sistêmicos) que ela pode provocar.

Pensemos, por exemplo, como os efeitos relativos à disponibilização livre e consentida de nossas informações genéticas está além de questões sobre a decisão/escolha individual e, portanto, também terão efeitos que escapam à proteção dos dados pessoais (como veremos na parte final do texto).

Por um lado, a oferta dessas informações (p.ex. dados biomédicos) pode contribuir para o avanço dos estudos sobre doenças etc. Podemos considerar aqui que esta “abertura” é voluntária e cabe apenas ao indivíduo decidir o que fazer com seus dados pessoais. Todavia, precisamos considerar os efeitos dessa informação num cenário mais complexo em que o campo de forças econômico e político (corporações, Estados etc) é distribuído de forma assimétrica. De partida, temos atores com condições distintas de apropriação e uso desta informação. Suponhamos que essas informações sejam utilizadas para analisar o perfil genético de um cidadão no momento de sua contratação profissional ou para a contratação de um convênio médico. Neste caso, estamos tratando dos problemas relativos à aplicação dos dados deste indivíduo sobre ele mesmo em ações futuras. Todavia, o simples fato de que alguns indivíduos disponibilizem suas informações genéticas livremente pode criar uma nova situação em que todos aqueles que não disponibilizam suas informações genéticas sejam tratados de forma negativa (pagar um seguro médico mais caro, etc).

Por isso, além da proteção dos dados pessoais, temos pensar em formas de regulação sobre o que é possível fazer, em termos de coleta, organização, sistematização e análise, da massa de dados atualmente disponível, mesmo quando anonimizadas, portanto, fora da esfera dos chamados “dados pessoais”. Foi neste sentido que escrevi um pequeno ensaio sugerindo tomar o direito à Privacidade como Bem Comum.

Com isso, quero apontar para a emergência de um horizonte sociocultural mais amplo que estamos produzindo com nossas pequenas ações individuais. Não seria essa a política inscrita no protocolo da transparência total pretendida pelo Facebook: criação de uma cultura da transparência em que a disponibilização voluntária de nossos dados se naturaliza como um imperativo social e moral? É sobre esta configuração cultural mais amplo que gostaria de seguir a conversa.

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Como promover o acesso à informação, ao conhecimento e à cultura e ao mesmo tempo, combater os efeitos potencialmente perversos dessa abertura? Quando falamos em revolução dos dados (como bem interrogou o artigo de Jonathan Gray) precisamos interrogar para quem? Nesse sentido, parece-me importante colocar a questão da abertura num contexto muito assimétrico de distribuição do poder comunicacional, econômico e político.

Recemente, numa lista de discussão dedicada à tecnopolítica e ao ativismo Antivigilância, tive contato com alguns documentos de um grupo de trabalho em tecnologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Achei excelente o documento. Com uma percepção  aguda, já no início dos anos 90, alguns médicos e enfermeiros estavam atentos à necessidade de se pensar em formas críticas de gestão dos grandes bancos de dados que estavam começando a se constituir sobre os pacientes no sistema público de saúde. O documento levanta várias questões importantes: que tecnologias podem promover a confidencialidade, proteger a identidade dos pacientes, evitar usos indevidos por empresas sobre os bancos de dados etc.

Da mesma forma como esses atores estavam preocupados com a identidade e a privacidade dos pacientes, hoje enfrentamos questões análogas no debate sobre a nova lei de Proteção de Dados Pessoais.

É nesse sentido também que a comunidade tecnoativista tem organizado eventos [CryptoRave] destinados a difundir o uso de tecnologias que promovam a comunicação segura, a privacidade e o anonimato, como formas de luta contra as ações massivas de vigilância estatal e corporativa. A luta pelo direito ao anonimato na rede é de suma importância num cenário de crescente mediação digital. Na atual conjuntura a defesa do anonimato é uma possível estratégia para a defesa da liberdade de expressão, para resistir à “censura preventiva” ou ainda para combater o “conformismo antecipativo” diante dos mecanismos de profiling.

Não à toa, na era Pós-Snowden começam a surgir serviços conhecidos como zero-knowledge. Outro exemplo é o esforço de ciberativistas para criar ambientes de interação que tentam recriar a situação de um encontro de duas pessoas numa floresta, uma conversa em presença e sem qualquer registro, apenas a memória individual de cada um deles.

O anonimato na rede também cumpre a importante função de criar espaços de interação que possam efetivamente funcionar como arenas públicas. É uma situação análoga ao efeito provocado pelas cidades modernas na sociabilidade, onde o espaço publico se caracterizava pela possibilidade do encontro com pessoas que não conhecemos e, por isso, surgiram códigos de conduta para o bom convívio com aquele ser genérico que desconheço. Tais princípios e códigos estarão mais tarde na base dos direitos de cidadania.

Na medida em que os ambientes digitais produzem uma infinidade de dados sobre os usuários, a garantia do anonimato torna-se um recurso importante (mas não único como veremos adiante) para que possamos evitar a emergência de uma sociedade policial, onde sabemos tudo sobre todos, e todas as interações acontecem em cenários onde o imprevisto e o indeterminado estão eliminados.

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Contudo, em todos esses casos que listamos, o conflito e as formas de apropriação e expropriação, dão-se sobre a fronteira dos dados públicos e privados, e também sobre a capacidade de atribuir autenticidade e identidade aos dados.

Com a crescente concentração das informações digitais nas mãos de poucos atores corporativos e estatais, as práticas de abertura e livre disponibilização de dados combinam-se à emergencia do Big Data num contexto de distribuição assimétrica no poder comunicacional (propriedade dos meios, infraestrutura, aplicativos etc). Neste cenário, gostaria de apontar que a forma de exercício de poder aquire outra dinâmica, deslocando portanto, o conflito político para outras arenas.

Para explorar essa nova configuração entre saberes e poderes no mundo do Big Data, Antoinette Rouvroy, pesquisadora do Research Center Information, Law & Society (Bélgica), toma as idéias de Foucault e Deleuze para desenvolver o conceito de “Governamentalidade Algorítmica” [1], como um desdobramento da governamentalidade neoliberal:

“Eu gostaria de descrever este deslizamento da governamentalidade neoliberal em direção à governamentalidade algoritmica: um modo de governo alimentado essencialmente por dados brutos (que operam como sinais infra-pessoais e a-significantes mas quantificáveis); que afetam os indivíduos sob o modo de alerta, provocando o reflexo, mais do que sob o modo da autorização, proibição ou persuação, ao se apoiar sobre suas capacidades de entendimento e de vontade; visando essencialmente a antecipar o futuro, a limitar o possível, muito mais do que regulamentar as condutas. Os dispositivos da governamentalidade algoritmica integram o data-mining: a exploração das reservas de dados massivos e brutos, que individualmente não possuem nenhum sentido, para a partir deles traçar perfis de comportamento. O data-mining permite gerir as pessoas de maneira personalizante, industrial, sistemática e preemptiva, se interessando à elas apenas enquanto pertencentes a uma multitude de perfis (de consumidores, de delinquentes potenciais etc)” [4].

Nessa perspectiva, o que está em jogo é muita mais a capacidade de produzir e gerenciar uma infinidade de perfis, de criar cenários e produzir futuros. O perfil é supra-individual (é uma categoria estatística) e é criado a partir de informações brutas, infra-individuais. Não é mais o indivíduo que conta, mas o ser dividual. Deleuze já tinha apontado isso naquele pequeno texto Post-Scriptum das Sociedades de Controle. Mas a governamentalidade algoritmica ocupa-se de um mundo digital muito distinto daquele observado por Deleuze.

Não se trata apenas de gerir permissões de acesso, de modular a existência dividual a partir de controles de variação contínua. É tudo isso também, porém, o campo de intervenção com o Big Data cria uma “política” da simulação” que é a própria morte da política, uma vez que as ações passam a ser governadas graças ao feedback dos parâmetros que indicam os cenários futuros produzidas com base nas predisposições estatísticas de cada perfil, de cada situação. Não se age, não se cria, modela-se.

Galloway aborda este problema por uma perspectiva complementar que ele chamará de poder protocolor. Não é preciso se preocupar com o sentido da ação, é possível  conduzir a ação de outra maneira. Na medida em que toda ação tecnicamente mediada precisa passar pelo protocolo, o importante é que este protocolo produza os efeitos desejados. É uma ação governada no presente graças ao controle sobre os efeitos desejados.

É por isso que estamos além do Big Brother. Claro, Snowden, Assange estão aí para nos lembrar dos inúmeros aparatos de vigilância. Porém, neste cenário trata-se menos de impedir que nos expressemos livremente. Sim, isso também acontece no momento de exercicio do poder sobre o indivíduo em situações específicas. Todavia, na  governamentalidade algoritmica somos convidados a sempre nos expressarmos livremente: “escreva aqui o que você está pensando” (Facebook), “o que está acontecendo?” (Twitter) etc.

Para além do Big Brother –  tomo de empréstimo a feliz expressão de Evegeny Morozov – estamos diante da Big Mother, ela sabe o que eu desejo, ela sabe o que eu preciso, ela vai me oferecer tudo que necessito.

Discutimos neste evento alguns aspectos do direito ao esquecimento. Antoine Rouvroy nos lembra também da importância de discutirmos o direito a um futuro não-preocupado: será que as informações que eu estou produzindo agora, mesmo que anonimizadas (portanto, nao se trata de dados pessoais), não estão a compor um perfil estatistico que será utilizado no futuro para guiar minhas escolhas ou para me incluir em determinadas categorias sociais que ainda sou incapaz de imaginar?

Por tudo isso, é importante pensarmos numa política para a proteção dos dados pessoais e também nas garantias para o anonimato na rede. Porém, isso só dá conta de uma parte de um problema. É absolutamente possível manter a governamentalidade algorítmica funcionando dentro do respeito àquilo que entendemos como “dados pessoais”. Para enfrentarmos essa nova forma de poder, teremos que pensar em novas formas de regulação sobre a informação que é produzida, para além da dicotomia público-privado. Afinal, trata-se de discutir o que queremos fazer coletivamente com as informações que estão aí? Quais as possibilidades e o que queremos evitar? Talvez, tenhamos mesmo que pensar que a proteção dos dados pessoais não se refere mais ao indivíduo, mas sim à coletividade. Ou seja, com a crescente mediação das tecnologias digitais há todo uma nova partilha do mundo que se faz necessária, afinal, a intermediação digital inaugura um novo território comum sob disputa. Uma alternativa, seria tomarmos o ecossistema comunicacional de maneira análoga aos bens comuns, e pensar seu usufruo coletivo a partir de uma concepção renovada dos direitos no mundo digital, para além da dicotomia indivíduo-sociedade, público-privado.

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[1] Antoinette Rouvroy. “« Le droit à la protection de la vie privée comme droit à un avenir non pré-occupé, et comme condition de survenance du commun. » (Draft / Version provisoire)” Entretiens à propos du droit à la protection de la vie privée (à paraître). Ed. Claire Lobet-Maris, Nathalie Grandjean, Perrine Vanmeerbeek. Paris: FYP éditions, 2014. Disponível em: http://works.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1065&context=antoinette_rouvroy

[2] Amador Fernández-Savater – O pesadelo de um mundo em rede: http://www.eldiario.es/interferencias/pesadilla-mundo-red_6_412668752.html

[3] Alexander Galloway. Protocol, how control exists after decentralization, MIT Press, Cambridge, 2004.

[4] Agradeço a Lilian Sampaio pela ajuda na tradução. Segue o fragmento original em francês “J’ai voulu décrire ce glissement du gouvernement néolibéral au gouvernement algorithmique: un mode de gouvernement nourri essentiellement de données brutes (qui opèrent comme des signaux infra-personnels et a-signifiants mais quantifiables); qui affecte les individus sur le mode de l’alerte provoquant du réflex plutôt que sur le mode de l’autorisation, de l’interdiction, de la persuasion, en s’appuyant sur leurs capacités d’entendement et de volonté ; qui vise essentiellement à anticiper l’avenir, à borner le possible, plutôt qu’à règlementer les conduites. Les dispositifs de la gouvernementalité algorithmique intègrent le data-mining: l’exploitation de gisements de données massives et brutes, qui n’ont individuellement aucun sens, pour en faire surgir des profils de comportements. Le data-mining permet de gérer les gens de façon personnalisante, industrielle, systématique, préemptive, en ne s’intéressant à eux qu’en tant qu’ils relèvent d’une multitude de profils (de consommateurs, de délinquants potentiels, etc.)“.